17/AGOSTO /2020 - JCF
JCF
Clovis - Tradição e Cultura
Viajando
pela historia e cultura
1983 – JUDIA FINGIU SER ANTISSEMITA
PARA FUGIR DA MORTE
INTRODUÇÃO
A MÃE E OS AVÓS DE RACHELA GOLTILF, judia e polonesa foram executados no campo de concentração - JCF
Troquei de nome e de lar para proteger minha identidade.
Convivi com uma família católica correndo o risco de ser denunciada. Até um
soldado alemão me pediu em casamento
RACHELA
GOTTHILF, EM DEPOIMENTO A THAIS LAZZERI
26/01/2016 - 20h30
- Atualizado 26/01/2016 21h34
Já era noite
quando os soldados alemães chegaram ao Gueto de Varsóvia, uma espécie de
fortaleza, ou prisão, onde ficavam as famílias de judeus poloneses durante a
Segunda Guerra Mundial. Do lado de fora dos muros, estavam os poloneses
cristãos. Ao oficial que ficava na entrada do Gueto, os soldados nazistas deram
o nome de uma família. Alguém fizera uma denúncia. E os
soldados não precisavam de uma razão para matar judeus. O oficial abriu o
livro de registros, encontrou o endereço e repassou aos soldados. Os soldados
levaram aquela família inteira para uma ponte. Mataram todos. O sobrenome
daquela família era muito parecido com o nosso. Não sabíamos se os soldados
procuravam por aquela família ou se o oficial da entrada do Gueto entendeu o
nome errado e os mandou para outro endereço. Os mortos poderíamos ser nós.
A notícia chegou na manhã seguinte. Se minha memória embaralha a sequência dos acontecimentos, não há sombras sobre os momentos marcantes que vivi no Holocausto. Naquele dia de 1942, meu avô, um polonês muito culto, recebeu uma carta de anistia dos alemães. A mensagem dizia que seríamos perdoados – com direito até a vale-alimentação –, caso saíssemos do Gueto. Meu avô depositou um longo olhar naquele pedaço de papel antes de falar com minha avó. Fingi estar brincando, mas prestei atenção em cada palavra. Meu avô aceitou a proposta dos nazistas. Retornaria à cidade onde nasci, Sokolov. Minha avó, chorando, disse que era uma armadilha preparada pelos alemães. Tinha certeza de que seriam mortos no regresso. Vovô respondeu que já estavam velhos, e não era justo dificultar a fuga dos filhos. Era melhor que partissem. Minha mãe, a filha mais velha e viúva (meu pai faleceu em decorrência de uma pneumonia), decidiu acompanhá-los. Impôs aos irmãos uma única condição: que me mantivessem viva. Abracei minha mãe e implorei para que ela ficasse. Minha última lembrança é ver minha mãe empurrando, sutilmente, a maleta dela para baixo da mesa de centro. Ninguém percebeu, só eu. Minha mãe sabia que ia morrer. Quando minha tia avistou a maleta, disse: “Sua mãe só sabe chorar, olha o que ela esqueceu”.
Convivi com uma família católica correndo o risco de ser denunciada. Até um soldado alemão me pediu em casamento
RACHELA
GOTTHILF, EM DEPOIMENTO A THAIS LAZZERI
26/01/2016 - 20h30
- Atualizado 26/01/2016 21h34
Com documentos falsos, fomos para essa fábrica, próxima de Gabrownik, onde ninguém nos conhecia. No terreno da fábrica, vivia uma família polonesa muito católica. Isso significava que, se eles descobrissem que éramos judeus, não hesitariam em nos denunciar. Nosso primeiro desafio, de muitos, era fingir sermos cristãos. O disfarce incluía mudar a maneira de falar, uma vez que a língua polonesa é muito sensível à pronúncia e judeus não falam a letra “R” com clareza. Com esse cuidado, meu tio nos apresentou à família do senhor Kadin.Não tínhamos outra escolha senão fugir. Como era fácil desconfiarem de uma família dizimada como a nossa, meus tios se encarregaram de providenciar um novo passado para nós quatro – eu, minha tia solteira, meu tio viúvo e o filho dele. Meus tios, que eram irmãos, fingiriam ser um casal. Na história, a esposa do meu tio faleceu em decorrência de pneumonia – o que aconteceu na vida real. Diante da morte da esposa, meu tio se casou com a irmã mais nova da falecida. Eu era a filha do primeiro casamento. Meu primo, do segundo. Por muito dinheiro, meu tio comprou documentos falsos, com nomes de poloneses mortos, para ele e minha tia. Depois, pediu ajuda a um fazendeiro conhecido nosso – e respeitado pelos poloneses cristãos – para fugir. Esse fazendeiro era amigo do diretor-chefe de uma fábrica de combustível, que aceitou nos receber. Antes de partir, soubemos por um rapaz que conseguiu escapar de um campo de concentração que meus avós e minha mãe tinham sido exterminados na cidade de Treblinka.
Criar laços era importante para ganhar a confiança dos Kadins.
Todas as noites, íamos a sua casa para ouvir trechos de livros de intelectuais
poloneses. Comemorávamos todos os
feriados católicos juntos, prestando atenção em cada gesto e oração, para
imitar fielmente. No Natal, a mulher de Kadin avisou que um padre
benzeria nossas refeições. Em outras palavras, minha tia receberia um padre
para orar em nossa casa, e ela não tinha ideia dos rituais católicos. Minha tia
foi muito rápida. Disse que nossa mesa era pequena e pediu para comemorar o Natal
com a família Kadin. Deu certo. Continua a 2ª parte na edição seguinte
ou nº 1989-jcf
ATÉ A EDIÇÃO Nº 1989 PARA FINALIZAR ESTE FANTÁSTICO DEPOIMENTO DESTA JUDIA...JCF
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